quarta-feira, 28 de outubro de 2015

UM SONHO AZUL


Ultimamente não tenho sonhado. Será? 

Quando eu durmo, quando acordo, quando tento dormir. Mas os sonhos não vêm mais. 

Talvez porque eu esteja presa numa espécie de pesadelo. Sim, essa realidade cotidiana é um pesadelo leve. Não tem monstros oníricos, nem seres com garras de aço correndo por corredores, querendo arrancar seu coração, onde então você acorda, sobressaltado e suado. 

Mas esse pesadelo em que vivemos é leve - pelo menos para aqueles que não estão em guerra, ou afogados em doenças terminais, ou outro horror qualquer. Ele não nos deixa acordar, ele não faz soar o alarme de que algo está muito fora do lugar. Mas eu pressinto o seu horror moderado, escondido nas paredes, nas repetições diárias, nas filas de carros lá fora, nos rostos dos pintinhos que se revoltam mas não conseguem ir além, pois sua revolta é superficial, sempre contra um inimigo artificial. Eles gritam, eles piam, mas eles só fazem dissipar energia e nunca lutam de fato contra o que deveriam. Porque os pintinhos piam? Poque seu sono foi incomodado. Os pintinhos piam não para acordar, mas porque querem continuar dormindo. A raposa invade o galinheiro e eles não lutam contra ela para não serem comidos, mas porque gostariam de continuar dormindo, que elas os coma em silêncio.  

Os pintinhos não querem ser águias. Fato. É muito dolorida essa transmutação. Eles preferem a dor cotidiana, essa escravidão disfarçada, uma chicotada por semana, uma dor crônica mas suportável. Eles até te agradecem se você os comem lentamente sem que eles se apercebam. Primeiro, a capacidade de pensar de forma independente, depois, a capacidade de questionar, por fim, eles têm a alma devorada. Então, os pintinhos caminham voluntariamente para a granja. 

Eles preferem isso a rasgar a pele de pintinho e descobrir que por baixo tem algo mais: um dragão, uma raposa, um lobo, uma águia. Mas dói, e as penas amarelinhas parecem tão confortáveis. 

Red Fox me disse certa vez: "Não tenha pena dos pintinhos, eles já têm muita pena de si mesmos, eles já têm muitas penas. Não tente fazê-los acordar, porque eles vão querer te bicar, e então você vai considerar comê-los e comer pintinhos tão fracos, vai te deixar muito mal acostumada".  

Mas o problema é que estou presa no mesmo pesadelo que eles, e eles não são bons colegas de pesadelo. Mas ficar aqui reclamando dos pintinhos já é dar muita atenção, é desfocar meus esforços do meu verdadeiro inimigo, aquele que também gostaria de dormir mais tempo, aquele que também gostaria de não ser incomodado. Se tem uma coisa importante que Gray me falou é que dentro de cada raposa existe um pintinho louco para assumir o comando, louco para não fazer mais esforço, louco para ser devorado lentamente, como o sapo que cozinha lentamente sem perceber, e então não pula para fora da panela. Gray, aquela que já comeu seu próprio pintinho, me disse isso: "Querida Blue, você só acorda de verdade, quando come a si mesma, mas não basta engolir, é preciso trucidar sem pena, digerir. Enquanto você continuar mantendo o seu pintinho inteiro na barriga, ele não irá parar de te bicar". Mas é tão difícil matar o pintinho, quando o pintinho sou eu. 

Mas, para minha sorte, eu tenho minhas três companheiras, e Urban sempre está aqui para me lembrar de que mesmo no sonho eu preciso estar acordada. Urban, aquela que se esgueira pela cidade, aquela que passa desapercebida pelos pintinhos sonâmbulos. Ela me disse rindo - sim, Urban não tem muita compaixão, ela diz que "com-paixão" é tirar um prazer sádico em compartilhar a desgraça, é gostar tanto de sofrer que se sofre pelos outros, e isso não resolve nada, ela diz, nem o problema dele nem o seu -, retomando, ela me disse rindo: "Sabe por que eles fazem tanto filmes e séries sobre zumbis? Não porque eles se veem como os heróis caçadores de zumbis, mas porque eles sabem que no fundo eles são os zumbis, e não adianta correr, não adianta fugir. Veja como eles se retratam, uma vez zumbi, não tem volta. Tão burrinhos!" 

Infelizmente, esse sonho é muito real e continuará sendo enquanto todo dia ainda for hoje, e todo dia eu ainda for eu mesma, como diria um velho amigo que não está aqui entre as raposas, mas ainda uiva em uníssono ao alcance dos meus ouvidos.  

By Blue Fox




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