Não há mais ninguém aqui. As vozes calaram-se. Só eu e minha
imaginação. Eu a vejo surgir desfocada, como que vindo do horizonte, o calor sobe
do chão. Meio-dia. Miragem. Coço os olhos. Não pode ser! ela nunca sairia da
toca ao meio-dia. Mas saiu. Só que era meia-noite e eu havia me enganado. Não
era ela ainda. Onde ela estaria dormindo agora?
Devo ter bebido muito café. Deve ser alguma espécie de
alucinação. A pequenina raposa vermelha me encara fixamente enquanto eu
escrevo. Ela sussurra coisas, sou encantada, ela diz. Onde você estava ontem à
noite? Eu preciso que você escreva sobre tocas, esconderijos, e espreitas. Sem
espreita eu não chegaria até aqui. Uma raposa urbana precisa de muita arte para
sobreviver.
Ela pisca seus olhos amarelos. Até poderia ser um cão de uma
raça exótica, mas não é. Ela acomoda sua cauda envolta do corpo pequenino que
parece diminuir com o gesto. Ela continua falando. Sabe o que tirei no I-Ching ontem? “Três raposas são
capturadas nos campos. Recebe uma flecha amarela.” Sei que não deveria falar
com ela, mas arrisquei perguntar: e o que isso significa? Não posso dizer, ela
respondeu, eu era a quarta raposa. Tire suas conclusões.
Quem era as outras três? Elas eram e eu estou aqui. Tenho
sono, meu corpo dói, e eu não vejo nada além do meu umbigo. Por mim todo o
mundo poderia se apagar agora. Piscando. O que se faz quando se está cansada e o
caminho está no meio? Você se materializa e se mistura à multidão, com sorte
passa despercebida. Eles pensam que sua cauda é um rabo-de-cavalo e que você
bem poderia ser alguém. É como o Diabo vestido de gente tentando esconder os
cascos.
Os dias estão todos cegos, sabia? Seus olhos secaram quando
pariram o mar. Eu roubei o fogo de Prometeu e o transformei em pelo. Fulgurante
e invisível. Não é engraçado? E assim ela prosseguiu a noite toda e por vários
dias. E para aqueles que perguntaram, é isso o que a raposa fala. Ah, é claro que
ela também cantou aquela música absurda.
By Blue Fox – A Sonhadora
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